Frango com polenta, original da Itália e de Curitiba 🍝

Hoje é dia de um mergulho na Curitiba de Santa Felicidade, com a semioticista (e descendente de italianos) Adriana Baggio, que fala sobre a tradição culinária do bairro famoso pelo frango com polenta. Será que este é um cardápio legitimamente italiano, afinal? Conte mais, Adriana:

Todo domingo (ao menos antes da pandemia), uma procissão de carros se forma na avenida Manoel Ribas, rumo a Santa Felicidade, para saborear uma farta refeição italiana. Apesar de algumas variações entre os restaurantes, o cardápio central é o mesmo: frango, polenta, risoto, massa, salada verde e miúdos.

Não é raro que narizes mais viajados se torçam diante do vai e vem de travessas, afirmando que essa não é uma comida italiana “de verdade”. Se até um antigo cônsul da Itália repudiou a italianidade desse menu, chamando-o de “desastre”, de “Santa Infelicidade” e “resultado infeliz de uma cozinha que se criolizou”, será que esse pessoal não teria razão?

🇮🇹  A verdade é que, mesmo na própria Itália, há muitas “Itálias” e muitas “comidas italianas”, e a comida de Santa Felicidade é herdeira legítima de uma delas. Pode ser diferente do que se experimenta em Milão, Florença, Roma, Nápoles ou Palermo, mas preserva muito dos autênticos e antigos modos vênetos de se comer.

Nos anos 1950, a então fechada colônia de Santa Felicidade foi território para uma extensa pesquisa etnográfica da historiadora Altiva Pilatti Balhana, publicada no livro “Santa Felicidade: um processo de assimilação”. Foi somente naquela época, após quase um século em terras curitibanas, que os colonos italianos começaram a se assimilar à cidade. Até então, os costumes, inclusive os alimentares, mantinham-se muito parecidos aos dos imigrantes do Vêneto.

🍗  E como era essa alimentação? Polenta nas cinco refeições do dia, muitas vezes tostada na chapa (poenta brustolà); arroz com legumes ou com fígado de galinha preparado em forma de sopa ou risoto; salada temperada com vinagre de vinho e banha ou toucinho derretido; frango nos domingos e dias de festa. E mais: quase não se usava garfo. A comida era preparada e servida para ser levada à boca com as mãos ou com a colher.

🍽️  Os primeiros restaurantes de Santa Felicidade surgiram nos anos 1940, mas com menu diferente deste que conhecemos hoje, como explica em seu livro a pesquisadora Maria Fernanda Campelo Maranhão. O cardápio era formado majoritariamente por bife, arroz, feijão e pão, para atender os caminhoneiros e viajantes que passavam pelo bairro com destino ao interior do Paraná, via Estrada do Cerne.

  • Na metade dos anos 1960, com a construção da Rodovia do Café, a vocação dos restaurantes de Santa Felicidade muda. Agora, eles passam a receber curitibanos em busca de lazer. Coincidentemente, é nesse momento que começam a servir o “frango com polenta”.

Se formos comparar a alimentação dos imigrantes vênetos com a que comemos hoje nesses restaurantes, vemos que, no aspecto plástico, essa comida não mudou muito: a polenta hoje é frita em imersão, mas sua consistência permanece a mesma. Frango à passarinho e asinhas são servidos em pedaços que permitem comer com a mão. A salada permanece sendo temperada com vinagre de vinho tinto e gordura de porco. O risoto de miúdos é quase líquido, assim como era no preparo tradicional dos colonos.

💡 Tenho para mim que o menu “frango com polenta” foi a forma que os colonos encontraram de manter sua italianidade ao mesmo tempo em que, inevitavelmente, assimilavam e eram assimilados pela cultura brasileira e curitibana. Ao oferecer uma experiência italiana acessível ao repertório cultural médio, a colônia e sua cultura sobreviveram. Santa Felicidade até hoje dá um gostinho de Itália para quem nunca terá a oportunidade de visitar aquele país, e também para viajados que sabem reconhecer a autenticidade na mestiçagem.


Por coincidência: nesta semana, saiu uma coluna bem legal no Plural falando da tradição do frango com polenta de Santa Felicidade – que, para este autor, está muito mais para um prato brasileiro que italiano.

O Expresso da História: o prédio histórico que virou estacionamento

Hoje é dia de mais um mergulho nos edifícios icônicos de Curitiba, com o nosso querido colunista Diego Antonelli. A coluna desta edição fala de um prédio histórico convertido em estacionamento. Conta mais, Diego:

Em julho deste ano, a cidade de Curitiba foi contemplada com mais um estacionamento no centro da cidade. Mas, dessa vez, o empreendimento ocupa o terreno que já abrigou um prédio histórico: a Sociedade Operário. O local, um ícone da história negra na cidade, agora sedia o chamado “SmartPark São Francisco”, localizado na Rua Jaime Reis, esquina com Ermelino de Leão.

  • Segundo a prefeitura, trata-se de um “estacionamento inteligente”, com 94 vagas que ocupam 3,2 mil metros quadrados e “terão ativação por meio do EstaR Eletrônico”.

🤔 Verdade que nos últimos anos, restava apenas a fachada do prédio, construída em 1949 e tomada por pichações. Merecia, contudo, um processo de revitalização e de um processo de tombamento histórico. Não foi o que aconteceu. 

A história: a Sociedade Protetora dos Operários foi fundada no século 19, mais precisamente em 1883, por Benedito Marques dos Santos, um habilidoso mestre de obras – que, segundo alguns estudos, fora escravizado no passado.

  • A primeira sede da “Operário” ficava na casa do ex-escravizado João Batista Gomes de Sá, localizada na Rua do Mato Grosso (atual Comendador Araújo). Pouco tempo depois, a sociedade adquiriu o terreno no Alto São Francisco, em frente à Praça João Cândido, onde hoje há o estacionamento.

A Sociedade funcionava como uma agremiação beneficente. Com o tempo, passou a contar com uma biblioteca e uma escola noturna para instrução dos seus sócios. Também realizava festas de comemoração do 1º de Maio, eventos sobre o sistema capitalista e mobilizações de adesão a greves. No seu auge, chegou a contar com 500 sócios. 

💃🏿 A partir da década de 1950, os bailes e festas realizados na Sociedade ganharam destaque. O baile carnavalesco “Gala Gay” – também conhecido como Baile dos Enxutos – começou a ser realizado em meados dos anos 1950. No início dos anos 2000, a Sociedade teve fim e o local passou a ser somente uma casa de shows. Em setembro de 2000, entretanto, a estrutura do prédio foi comprometida por um incêndio. 

O impasse: o decreto de desapropriação do antigo edifício, publicado em 22/06/2020, informa que a antiga sede da Sociedade foi desapropriada para “implantação de Pavilhão de Cultura e Inovação como Infraestrutura de Valorização e Animação do Setor Histórico”. Não há menção a estacionamento. 

👀 A assessoria de imprensa da prefeitura informou que o Pavilhão ainda será construído e os “estudos de formatação do anteprojeto estão em curso no Ippuc”.

  • Segundo o poder público, o estacionamento é, na verdade, temporário, enquanto forem finalizados os estudos e encaminhado o projeto do Pavilhão de Cultura. “A utilização daquele espaço público se faz necessária, neste momento, como forma de que a área não fique ociosa e sujeita a ocupações irregulares”, disse a prefeitura.

Expresso da História: O palácio do Barão 👑

Na semana que homenageia o Barão do Serro Azul – empresário, produtor de erva-mate e personagem histórico da cidade –, o nosso Diego Antonelli nos conta um pouco mais sobre o Solar do Barão, prédio encravado no centro de Curitiba e tema da sua sexta coluna sobre os edifícios históricos da capital. Fala, Diego:

🇮🇹 O imponente palácio concluído em meados de 1885 carrega uma história singular na capital paranaense. Projetado pelos engenheiros italianos Angelo Vendramin e Batista Casagrande, o atual “Solar do Barão” foi construído para ser a residência de Ildefonso Correia, o Barão do Serro Azul, empresário e político de grande prestígio no Império. As obras tiveram início em 1880, e duraram cerca de cinco anos. 

🎩 Enquanto serviu de moradia para Serro Azul, as paredes do palácio foram testemunhas de bailes, festas, debates e discussões sobre o comércio de madeira e de erva-mate envolvendo a alta cúpula política da época. 

  • Correia, que foi fundador da Associação Comercial do Paraná, deputado provincial e presidente interino da Província do Paraná, morou por dez anos no local ao lado de sua família. 

O Solar do Barão nos dias atuais. Foto: Daniel Castellano/SMCS

O assassinato do barão em 1894, em consequência da Revolução Federalista, motivou a saída de sua família do palacete. O Barão do Serro Azul e seus companheiros foram fuzilados no quilômetro 65 da ferrovia da Serra do Mar, na noite de 20 de maio de 1894. Após o seu assassinato, foi construída, ao lado do Solar, uma residência para a Baronesa e seus filhos. (Gazeta do Povo)

Depois disso, o prédio foi ocupado pelo 5º Distrito Militar, e de 1912 a 1975 pelo Exército, quando enfim foi adquirido pela Prefeitura de Curitiba.

Nobre destino: Em 1980, o prédio foi restaurado para sediar um novo espaço cultural. A restauração evidenciou os elementos decorativos dos forros e paredes, a riqueza de detalhes dos pisos e das principais salas, além de destacar a madeira das escadas internas e o ferro e mármore da escada externa.

🎭 O complexo cultural Solar do Barão, que funciona atualmente no local, abriga a Gibiteca de Curitiba, o Museu da Fotografia e o Museu da Gravura. O edifício é tombado pelo estado e considerado Unidade de Interesse de Preservação do município.


Para saber mais: o Solar do Barão é uma das paradas do circuito em homenagem a Ildefonso Correia, que selecionou oito pontos no centro de Curitiba relacionados à sua história e à vida na cidade no final do século XIX. Todos os pontos receberam um QR Code, que conduz a mais informações sobre o local e a história do Barão. (Prefeitura)

O Expresso da História: uma igreja barroca em Curitiba ⛪

Hoje é dia de mais uma coluna do nosso intrépido Diego Antonelli, que tem contado a história das construções mais antigas de Curitiba. Depois da Igreja da Ordem, da Casa Romário Martins, do Palácio Belvedere e do Palacete Wolf, ele nos traz a Igreja do Rosário, cuja história remonta ao século XVIII:

Não há uma data unânime para a construção da Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito, edificação histórica situada no Largo da Ordem, em Curitiba. No livro “Curitiba, Luz dos Pinhais”, o atual prefeito Rafael Greca aponta que a primeira Igreja do Rosário foi concluída em 1737, “com assentamento no Livro do Tombo da Matriz”.

  • Este é o mesmo ano em que foi concluída a Igreja da Ordem – a edificação mais antiga da cidade ainda de pé.


No entanto, devido ao mau estado de conservação, a antiga Igreja do Rosário foi demolida em 1931 e completamente reconstruída, em estilo barroco, em 1946, ano da construção do atual templo.

Por e para escravos: segundo dados do IBGE, “a primeira igreja do Rosário foi construída por escravos e para os escravos”. Foi a terceira igreja de Curitiba, depois da antiga Matriz (1721) e da Igreja da Ordem.

  • O nome original era Igreja de Nossa Senhora dos Pretos de São Benedito. O templo chegou a servir de Matriz de 1875 a 1893, durante a construção da atual Catedral, na Praça Tiradentes (em 1875, a antiga Matriz foi demolida).


Em 1951, os jesuítas assumiram o templo. Na década de 1970, passou também a ser chamada de Santuário das Almas. Para quem nunca visitou, o interior da igreja abriga azulejos portugueses, com imagens da Paixão de Cristo.

Uma curiosidade: depois da abolição da escravidão, o santuário passou a ser conhecido como “Igreja dos Mortos”. Como está situado no trajeto para o Cemitério Municipal, era a escolha preferida da comunidade curitibana para a realização das missas de corpo presente. (Gazeta do Povo)

O Expresso da História: um ‘Belvedere’ pra chamar de seu 🏛️

* Este texto foi atualizado em 10/04/2022, para retificar a data em que o Belvedere abrigou a sede da Rádio Clube Paranaense. 

Hoje, que coisa boa, é dia de mais um mergulho na história dos imóveis de Curitiba, com o nosso colunista Diego Antonelli – que, nesta edição, fala do histórico prédio Belvedere, no centro da cidade. 

Uma construção centenária, de onde se consegue visualizar boa parte do centro histórico de Curitiba. Esse é o Belvedere, edificado em 1915 sobre o terreno da antiga capela do Alto do São Francisco. 

  • Projetado pelo então prefeito Cândido de Abreu, no ponto mais alto da urbe na época, o local era para ser usado, justamente, como um mirante – função que exerceu até 1922.

📻 Em 1933, o prédio passou a abrigar a primeira rádio do Paraná, a Rádio Clube Paranaense. Anos depois, virou a sede do Observatório Astronômico da antiga Faculdade de Engenharia do Paraná. Em 1962, tornou-se sede da União Cívica Feminina Paranaense.

😢 Após décadas de usos múltiplos, o imóvel ficou praticamente abandonado. A edificação foi pichada diversas vezes e ocupada com frequência por moradores de rua e usuários de drogas.

Vida (quase) nova: No começo de 2015, o governo estadual firmou um acordo com a Academia Paranaense de Letras para que o imóvel, que possui arquitetura de influência art nouveau, fosse usado como sede da instituição. Para isso, foram iniciadas obras de revitalização do espaço, de forma gradativa. No entanto, a reforma não foi adiante e o espaço permaneceu sem uso. (Gazeta do Povo)

🔥 Pra piorar, um incêndio atingiu o Belvedere na noite de 6 de dezembro de 2017. Só depois disso foi que o local passou – definitivamente – por um restauro. A obra teve início em dezembro de 2018, com projeto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), e foi concluída em um ano. 

O Belvedere foi reinaugurado em dezembro de 2019 e, enfim, passou a abrigar a Academia Paranaense de Letras e também um café literário – pena que a pandemia veio logo depois, em março de 2020.

🤿 Saiba mais:

  • Em 1966, a Praça João Cândido, onde o Belvedere está localizado, foi tombada como patrimônio histórico e artístico do Estado. Já o Palácio Belvedere é uma Unidade de Interesse de Preservação Municipal desde 2016. 
  • Durante as obras de restauração, em setembro de 2019, foram encontradas ossadas humanas do século XIX enterradas no local. A equipe técnica do Museu Paranaense acompanhou a retirada e atribuiu o achado a um antigo cemitério que existiu nas proximidades. (AEN)

O Expresso da História: um palácio amarelo no centro 🏰

Hoje é dia de mais história de Curitiba, com o nosso colunista Diego Antonelli, que vem falando dos prédios icônicos da cidade. O assunto é um casarão que já foi residência, quartel, sede do governo, escola de pintura e até livraria. Conta aí, Diego:

Em meados de 1877, o imigrante austríaco Fredolin Wolf terminou a construção de um imponente palácio que permanece em pé ainda hoje no centro de Curitiba: o Palacete Wolf. A obra começara em 1875, quando ele requereu junto à prefeitura “cem palmos de terreno” na região do “Largo da Igreja do Rosário”. 

💃🏽 Inicialmente, o Palacete Wolf tinha a finalidade de ser um local de reuniões sociais da família – já que os Wolf residiam em uma chácara nos arredores da cidade. Mas, durante quase um século e meio, o espaço foi utilizado para diversas finalidades.

🎖️ Entre 1886 a 1895, o sobrado serviu como sede de forças militares. Primeiramente, abrigou o Corpo Policial da Província. Depois, sediou o Quartel General do 5º Distrito do Exército. Durante a Revolução Federalista, era ali que estavam sediadas as forças oficiais. 


Lembra desse prédio? O Palacete Wolf fica quase em frente ao Relógio das Flores e à Igreja do Rosário, no Largo da Ordem. Foto: SMCS

📄 O espaço serviu como sede do governo do Paraná em 1892. Alguns anos depois, entre 1912 e 1913, o casarão sediou a Prefeitura da cidade e a Câmara Municipal.

Ali também funcionaram os colégios Curitibano (1880), Parthenon Paranaense, Internacional, Pereira Pitta (1905) e a seção masculina do Colégio Bom Jesus (1907 a 1911).

Em 1914, o andar superior foi ocupado pela Loja Maçônica de Curitiba. Nessa época, a família Bianchi passou a residir no térreo e montou no local uma escola particular de pintura e de violino.

  • Ao longo dos anos, o prédio ainda teve diversos locatários. No térreo chegou a funcionar, por exemplo, uma livraria e um escritório de engenharia

Nos dias de hoje: em 1974, o Palacete Wolf foi enfim desapropriado, por iniciativa do então prefeito Jaime Lerner, para se tornar a sede da recém-criada Fundação Cultural de Curitiba. Foi nessa época que o edifício foi revitalizado e sua cor original, amarelo-ocre, recuperada.

  • Em 2006, o prédio abrigou a Coordenação de Literatura e, desde 2017, tornou-se a sede do Instituto Municipal de Turismo.

O Expresso da História: uma casa simbólica 🏠

Hoje é dia de mais um mergulho no passado com o nosso colunista Diego Antonelli, que fala sobre o segundo imóvel mais antigo de Curitiba: a Casa Romário Martins. Conta mais, Diego:

A casa de número 30 localizada no Largo da Ordem – a famosa Casa Romário Martins – é o último exemplar da arquitetura colonial portuguesa em Curitiba. Ela é considerada a segunda edificação mais antiga da capital (atrás apenas da Igreja da Ordem), e o mais remoto espaço que serviu como moradia ainda de pé na cidade.


A Casa Romário Martins, no Largo da Ordem. Foto: SMCS


📅 A data precisa da construção é incerta. Sabe-se, por suas características, que a casa é do final do século XVIII. No entanto, a placa de identificação da Romário Martins aponta que a construção teria sido concluída em 1874. Faltam documentos que ajudem a precisar a data.

Múltiplas funções: a historiadora Maria Luiza Baracho, que pesquisou a história da casa, relata que um dos primeiros proprietários teria sido Lourenço de Sá Ribas, que adquiriu o imóvel da Irmandade do Santíssimo Sacramento. (Gazeta do Povo)

  • Depois de servir como residência, a casa foi adaptada no final do século XIX para se tornar um ponto comercial, primeiramente chamado Armazém do Paiva.

📃 Na primeira escritura do imóvel, datada de 1902, o proprietário era Guilherme Etzel, que mantinha no local um armazém de secos e molhados. A partir de 1930, o local foi batizado de Armazém Roque. A casa ainda abrigou um açougue e, no anexo construído ao lado, uma peixaria.

Restauro: As atividades comerciais continuaram até 1970, quando o imóvel foi declarado de utilidade pública e desapropriado pela prefeitura. Após o tombamento, o arquiteto Cyro Corrêa Lyra elaborou o projeto de restauro da casa, cujas obras foram concluídas em 1973.

E hoje?

  • Desde a década de 1970, o imóvel se transformou num espaço que guarda o acervo histórico da capital. A casa foi rebatizada de Casa Romário Martins, em homenagem a um dos mais importantes historiadores paranaenses.

Onde vivem os negros de Curitiba? 👨🏿‍

Hoje é dia de mais uma valiosa contribuição da Adriana Baggio, semioticista e colunista d’O Expresso – que, com o mapa de Curitiba em mãos e a história da cidade na cabeça, fez uma reflexão sobre a presença negra na cidade:

Domingo, manhã de sol, 2020 a.P. (antes da pandemia). A praça João Cândido, no Alto São Francisco, animada com bandinha de rock, jogos para crianças e aulas de yoga. Armei minha cadeira de praia na altura do recém-reformado Belvedere. Havia casais, famílias, grupos de amigos. Mas sabe o que não havia? Pessoas negras. 

👨🏿‍ Onde estavam os negros de Curitiba, se foi justamente no Alto São Francisco que eles moraram, se organizaram, rezaram e festejaram? 

Parte da resposta pode ser encontrada no mapa abaixo: a comunidade que uma vez ocupou a região central da cidade vive hoje em suas margens geográficas.

O centro de Curitiba, historicamente ocupado por africanos e afrodescendentes, concentra hoje a menor proporção de negros e pardos na cidade. Veja o mapa completo aqui.

🔢 Quase 20% da população curitibana é negra, segundo o último censo, de 2010. Mas a distribuição é bem distinta entre os bairros.

  • No Batel, Hugo Lange, Jardim Social, Bigorrilho, Alto da XV e Juvevê, menos de 5% dos moradores se autodeclaram pretos ou pardos.
  • Já em São Miguel, Campo de Santana, Tatuquara e Ganchinho, eles passam dos 30%. No Prado Velho, são 40%.

Mas já foi diferente: 40% era a população negra no planalto curitibano em 1854. Quem nos mostra isso — e também as estratégias de branqueamento da cidade de lá para cá — é o volume Dos traços aos trajetos: a Curitiba negra entre os séculos XIX e XX, organizado por Brenda dos Santos, Geslline Braga e Larissa Brum e publicado como Boletim da Casa Romário Martins.

  • 👉 O estudo mostra como a legislação de costumes e de edificações atuou para afastar a população negra do centro, área tradicionalmente ocupada por africanos e afrodescendentes, escravizados e libertos. 

🏰 O Palácio Belvedere é um exemplo. O edifício foi construído sobre os alicerces da Sociedade 28 de Setembro, fundada em 1895 e formada majoritariamente por mulheres negras. O nome é uma homenagem à data de promulgação da Lei do Ventre Livre, de 1871. A área havia sido doada à instituição pela Prefeitura, mas em 1915 foi desapropriada para a construção do Belvedere.

A poucos metros dali, fica a sede da Sociedade 13 de Maio, construída (e ainda de pé) no início do século XX na rua Clotário Portugal. Próxima também era a Sociedade Beneficente Protetora dos Operários, fundada em 1883 em frente à praça João Cândido, com numerosos associados negros.

❗ Estes clubes e sociedades foram cruciais para o movimento abolicionista e, depois, para promover a sociabilidade, a inserção social e as condições de vida dos recém-libertos. 

As ruas, as edificações e as sociabilidades que tanto apreciamos no São Francisco são legado da população negra de Curitiba. Alijada de seu espaço original, ela constitui hoje apenas 9% dos moradores do bairro.

  • Do prédio da Sociedade Beneficente dos Operários, aliás, restava apenas a fachada, e agora nem isso: puseram tudo abaixo para dar lugar a um novo equipamento público. Haverá nele alguma referência às origens étnicas e de classe da antiga construção? 🤔

🤿 Para ir mais a fundo:

Uma forma inicial de desfazer esse apagamento é conhecer o que está por baixo da reescritura – por exemplo, percorrendo a Linha Preta, roteiro que destaca as marcas da negritude curitibana. Quem quiser se aprofundar pode também consultar trabalhos como o já citado Dos traços aos trajetos e o livro Para além da placa: outras histórias da negritude em Curitiba.

O Expresso da História: o imóvel mais antigo de Curitiba ⛪

Hoje é dia de nova coluna O Expresso da História, do nosso parceiro Diego Antonelli – que leva você, leitor, a um passeio ao passado.

Depois do sucesso do último ano, em que falamos de empresas e indústrias que entraram para a história de Curitiba, agora a missão é contar um pouco sobre alguns dos imóveis antigos que embelezam a capital paranaense. E o primeiro personagem é a edificação mais antiga de Curitiba: a Igreja da Ordem. Conta mais, Diego:

A Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas – ou simplesmente, a Igreja da Ordem – é considerada a edificação mais antiga de Curitiba, segundo a Fundação Cultural da cidade e também o Núcleo História, Memória e Imagem, da UFPR.

📿 Ela foi construída em 1737 (284 anos atrás!), “sob a invocação de Nossa Senhora do Terço, pelo Tenente Coronel Manoel Rodrigues da Mossa e sua esposa Helena Rodrigues Coutinho”, de acordo com a pesquisa da UFPR. Passou, assim, a ser conhecida como Igreja de Nossa Senhora do Terço

  • A igreja só foi receber o nome atual após a chegada da Ordem de São Francisco a Curitiba, em 1746. Pouco tempo depois, o edifício passou a abrigar um convento franciscano, de 1752 a 1783.

✝️ Logo depois, a edificação voltou a funcionar como igreja – tanto que, durante parte do século XIX, foi a paróquia dos imigrantes poloneses que viviam em Curitiba.

⛪ Por volta de 1834, uma parte da igreja desmoronou e só foi completamente restaurada em 1880 porque o imperador Dom Pedro II iria visitar a capital da então província do Paraná.

  • Somente em 1883 é que a Igreja teve a instalação da torre e dos sinos concluída. Nessa época, a igreja era frequentada, principalmente, por imigrantes alemães.

O templo foi tombado como patrimônio cultural em 1965. Foram necessários procedimentos de restauro em 1978 e 1980. No ano seguinte, passou a abrigar o Museu de Arte Sacra.

Curiosidade: durante novas reformas realizadas em 1993, foi encontrado entre as suas paredes um livreto, que fornece dados sobre a história da construção da Igreja.

O Expresso da História, com gostinho de polvilho 🍪

A já tradicional coluna O Expresso da História de hoje vai deixar muita gente de água na boca. Quem conta a história de mais uma marca icônica da cidade é o nosso Diego Antonelli. Dessa vez, a personagem é a marca de biscoitos Tip Top:

🏅 Foi em 1970 que a Tip Top entrou no mercado para se tornar, em pouco tempo, a principal concorrente da multinacional Elma Chips em todo o Brasil. O que começou como uma modesta e sem grandes pretensões fábrica de biscoitos de polvilho se tornou uma empresa que deixou saudade para quem viveu e cresceu na década de 1980.

A empresa fundada pela família Rhinow produzia os mais variados tipos de biscoitos (doces e salgados), massas e salgadinhos. Em pouco tempo, os alimentos produzidos em Curitiba caíram no gosto das crianças e dos adultos, e ganharam o Brasil inteiro. 

🏭 A principal fábrica da Tip Top ficava na avenida Anita Garibaldi, entre os bairros do Juvevê e Cabral. Quem morava por perto dizia acordar com as sirenes de entrada dos funcionários, e conviver (melhor ainda!) com o cheirinho de biscoito assado no fim do dia. (Curitiba do Passado)

A antiga fábrica da Tip Top, em Curitiba. A foto foi divulgada no grupo Curitiba do Passado.

A fábrica da Anita Garibaldi era originalmente a Fábrica Lucinda, da família Groetzner, que foi incorporada pela Tip Top em 1980. Também especializada na fabricação de massas e biscoitos, a Lucinda foi fundada em 1912 por Paulo Groetzner, imigrante suíço – e, segundo a historiadora Roseli Boschilia, quase 80% da sua mão-de-obra era formada por mulheres. (UFPR)

Mais tarde, a fábrica da Tip Top foi transferida para Campina Grande do Sul. Porém, em 1993, a Tip Top teve sua falência decretada. (Jornale)

Curiosidade nostálgica:

Durante os anos 80, a Tip Top adotou um menino loiro como mascote. A sua figura se deliciando com as guloseimas da Tip Top era estampada em anúncios de gibis de circulação nacional. Você lembra? A estratégia alavancou as vendas da empresa que conquistou, de vez, o público infanto-juvenil.