Como o curitibano se diverte 🎭

Lembra da nossa última edição, em que falamos sobre as tendências de mobilidade na Curitiba pós-pandemia? Hoje, vamos explorar o tema mais um pouquinho – dessa vez, com foco no lazer do curitibano depois da vacina.

Segundo os dados do Google Mobility Report, espaços de varejo e lazer, como restaurantes, cafés, shopping centers, parques temáticos, museus, bibliotecas e cinemas, permanecem sendo os mais afetados pela pandemia em Curitiba.

Mesmo com vacinação em alta e queda de casos de COVID-19, os espaços de lazer em Curitiba não recuperaram os níveis pré-pandemia. Veja o gráfico completo aqui.

🤔 Será que a nossa relação com o lazer nunca será a mesma? Jamais voltaremos aos cinemas, aos restaurantes, aos shoppings, da mesma forma como antes? Aprendemos a nos entreter sem sair de casa, e assim permaneceremos?

De fato, houve algumas mudanças estruturais em Curitiba. Com a pandemia, salas de cinema encerraram atividades, restaurantes acabaram e estabelecimentos fecharam suas portas. (Plural, Bem Paraná e O Expresso)

  • 🛍️ Além disso, quase todos passamos a comprar online em algum momento do isolamento, e muitos nos habituamos com isso. 


Ao mesmo tempo, alguns espaços se adaptaram a novas possibilidades:


Mas nem tudo é permanente nessa transição, como conversou conosco Fábio Tadeu Araújo, economista, sócio-diretor da Brain Inteligência Estratégica e analista de tendências.

👉 Para ele, muitas das mudanças que passamos no nosso isolamento – como comprar pela internet, acessar serviços de streaming, fazer mini-festas em casa – já estavam rolando antes mesmo da pandemia. “A pandemia acelera e antecipa tendências, mas a mudança no conceito de lazer já estava acontecendo”, disse.

  • O valor da experiência (a ideia de desfrutar, e não necessariamente de ter), a busca pelo bem-estar e a aproximação com a natureza são algumas dessas tendências.

Segundo Araújo, o lazer vai sim voltar aos níveis de antes, e até com mais força. Só que, no caminho, tem a economia – afinal, está tudo mais caro, e muita gente ainda não recuperou o emprego ou a renda dos tempos pré-pandêmicos.

🗣️ E você, leitor? Já voltou (ou está louco para voltar) ao mundo como era antes? Ou é do time que não troca o sofá e o edredom por nada desse mundo? Conta pra gente no oi@oexpresso.curitiba.br ou respondendo a esse e-mail.

Frango com polenta, original da Itália e de Curitiba 🍝

Hoje é dia de um mergulho na Curitiba de Santa Felicidade, com a semioticista (e descendente de italianos) Adriana Baggio, que fala sobre a tradição culinária do bairro famoso pelo frango com polenta. Será que este é um cardápio legitimamente italiano, afinal? Conte mais, Adriana:

Todo domingo (ao menos antes da pandemia), uma procissão de carros se forma na avenida Manoel Ribas, rumo a Santa Felicidade, para saborear uma farta refeição italiana. Apesar de algumas variações entre os restaurantes, o cardápio central é o mesmo: frango, polenta, risoto, massa, salada verde e miúdos.

Não é raro que narizes mais viajados se torçam diante do vai e vem de travessas, afirmando que essa não é uma comida italiana “de verdade”. Se até um antigo cônsul da Itália repudiou a italianidade desse menu, chamando-o de “desastre”, de “Santa Infelicidade” e “resultado infeliz de uma cozinha que se criolizou”, será que esse pessoal não teria razão?

🇮🇹  A verdade é que, mesmo na própria Itália, há muitas “Itálias” e muitas “comidas italianas”, e a comida de Santa Felicidade é herdeira legítima de uma delas. Pode ser diferente do que se experimenta em Milão, Florença, Roma, Nápoles ou Palermo, mas preserva muito dos autênticos e antigos modos vênetos de se comer.

Nos anos 1950, a então fechada colônia de Santa Felicidade foi território para uma extensa pesquisa etnográfica da historiadora Altiva Pilatti Balhana, publicada no livro “Santa Felicidade: um processo de assimilação”. Foi somente naquela época, após quase um século em terras curitibanas, que os colonos italianos começaram a se assimilar à cidade. Até então, os costumes, inclusive os alimentares, mantinham-se muito parecidos aos dos imigrantes do Vêneto.

🍗  E como era essa alimentação? Polenta nas cinco refeições do dia, muitas vezes tostada na chapa (poenta brustolà); arroz com legumes ou com fígado de galinha preparado em forma de sopa ou risoto; salada temperada com vinagre de vinho e banha ou toucinho derretido; frango nos domingos e dias de festa. E mais: quase não se usava garfo. A comida era preparada e servida para ser levada à boca com as mãos ou com a colher.

🍽️  Os primeiros restaurantes de Santa Felicidade surgiram nos anos 1940, mas com menu diferente deste que conhecemos hoje, como explica em seu livro a pesquisadora Maria Fernanda Campelo Maranhão. O cardápio era formado majoritariamente por bife, arroz, feijão e pão, para atender os caminhoneiros e viajantes que passavam pelo bairro com destino ao interior do Paraná, via Estrada do Cerne.

  • Na metade dos anos 1960, com a construção da Rodovia do Café, a vocação dos restaurantes de Santa Felicidade muda. Agora, eles passam a receber curitibanos em busca de lazer. Coincidentemente, é nesse momento que começam a servir o “frango com polenta”.

Se formos comparar a alimentação dos imigrantes vênetos com a que comemos hoje nesses restaurantes, vemos que, no aspecto plástico, essa comida não mudou muito: a polenta hoje é frita em imersão, mas sua consistência permanece a mesma. Frango à passarinho e asinhas são servidos em pedaços que permitem comer com a mão. A salada permanece sendo temperada com vinagre de vinho tinto e gordura de porco. O risoto de miúdos é quase líquido, assim como era no preparo tradicional dos colonos.

💡 Tenho para mim que o menu “frango com polenta” foi a forma que os colonos encontraram de manter sua italianidade ao mesmo tempo em que, inevitavelmente, assimilavam e eram assimilados pela cultura brasileira e curitibana. Ao oferecer uma experiência italiana acessível ao repertório cultural médio, a colônia e sua cultura sobreviveram. Santa Felicidade até hoje dá um gostinho de Itália para quem nunca terá a oportunidade de visitar aquele país, e também para viajados que sabem reconhecer a autenticidade na mestiçagem.


Por coincidência: nesta semana, saiu uma coluna bem legal no Plural falando da tradição do frango com polenta de Santa Felicidade – que, para este autor, está muito mais para um prato brasileiro que italiano.

Curtas ⚡

Efeito vacina: felizmente, com quase 65% da população curitibana imunizada, o número de casos ativos de coronavírus chegou ao menor nível desde outubro do ano passado, como mostra o nosso Monitor COVID-19 Curitiba – e isso mesmo com o aumento da circulação da variante delta. (G1 PR)

Música daqui: a Tuyo, uma banda curitibana com um som diferente e da qual somos fãs, foi indicada ao Grammy Latino de melhor álbum de pop contemporâneo, ao lado de nomes como Fernanda Takai, Anavitória, Nando Reis e Duda Beat. Vale escutar o álbum no Spotify ou no YouTube. (RIC Mais)

Tempos bicudos: a fábrica da Renault, que tempos atrás oferecia PLR de R$ 20 mil, aprovou nesta semana um plano de demissão voluntária para reduzir o número de funcionários. Impactada pela pandemia, pela crise econômica e pela escassez mundial de semicondutores, a planta passou 37 dias fechada neste ano. (UOL e Gazeta do Povo)

Porta-retrato

Mais uma dessas obras de arte que a gente encontra andando por aí. O clique é de Estelita Carazzai, ali na Alameda Augusto Stellfeld – quase em frente à Sociedade Ucraniana do Brasil.

Pra encerrar: em bom curitibanês

“As pessoas circulam pela cidade, conhecem o nome das ruas, do bairro, das praças, mas se você pergunta qual o rio mais próximo, elas não sabem. Porque os rios estão invisíveis”.

A frase que encerra a edição de hoje é do professor João Augusto Reque, historiador, ambientalista e um pesquisador apaixonado pelas relações do curitibano com o meio ambiente e a cidade.

Reque virou notícia nesta semana por ter concluído um mestrado depois de morrer. A dissertação, que estava praticamente pronta, foi finalizada por sua esposa e seu orientador, e aprovada em banca pela UFPR. (Folha de S.Paulo)

Anos atrás, o professor da rede pública fez uma pesquisa encantadora sobre a invisibilidade dos rios de Curitiba. Pegou seus alunos adolescentes e foi atrás dos rios no entorno da Escola Estadual Santo Antônio, no Campo Comprido.

Descobriu o Ribeirão dos Müller, cujas nascentes estão num entroncamento rodoviário, e cuja pequena represa, que já serviu para movimentar um moinho usado por colonos da região, forma atualmente o lago da Universidade Positivo.

O objetivo de Roque era fazer com que os rios de Curitiba virassem “um rio de gente, povoado por ricas memórias; um rio de história”.

Que a sua memória ensine a nos relacionarmos de forma mais consciente com a cidade.

Uma ótima semana!