Frango com polenta, original da Itália e de Curitiba 🍝

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Hoje é dia de um mergulho na Curitiba de Santa Felicidade, com a semioticista (e descendente de italianos) Adriana Baggio, que fala sobre a tradição culinária do bairro famoso pelo frango com polenta. Será que este é um cardápio legitimamente italiano, afinal? Conte mais, Adriana:

Todo domingo (ao menos antes da pandemia), uma procissão de carros se forma na avenida Manoel Ribas, rumo a Santa Felicidade, para saborear uma farta refeição italiana. Apesar de algumas variações entre os restaurantes, o cardápio central é o mesmo: frango, polenta, risoto, massa, salada verde e miúdos.

Não é raro que narizes mais viajados se torçam diante do vai e vem de travessas, afirmando que essa não é uma comida italiana “de verdade”. Se até um antigo cônsul da Itália repudiou a italianidade desse menu, chamando-o de “desastre”, de “Santa Infelicidade” e “resultado infeliz de uma cozinha que se criolizou”, será que esse pessoal não teria razão?

🇮🇹  A verdade é que, mesmo na própria Itália, há muitas “Itálias” e muitas “comidas italianas”, e a comida de Santa Felicidade é herdeira legítima de uma delas. Pode ser diferente do que se experimenta em Milão, Florença, Roma, Nápoles ou Palermo, mas preserva muito dos autênticos e antigos modos vênetos de se comer.

Nos anos 1950, a então fechada colônia de Santa Felicidade foi território para uma extensa pesquisa etnográfica da historiadora Altiva Pilatti Balhana, publicada no livro “Santa Felicidade: um processo de assimilação”. Foi somente naquela época, após quase um século em terras curitibanas, que os colonos italianos começaram a se assimilar à cidade. Até então, os costumes, inclusive os alimentares, mantinham-se muito parecidos aos dos imigrantes do Vêneto.

🍗  E como era essa alimentação? Polenta nas cinco refeições do dia, muitas vezes tostada na chapa (poenta brustolà); arroz com legumes ou com fígado de galinha preparado em forma de sopa ou risoto; salada temperada com vinagre de vinho e banha ou toucinho derretido; frango nos domingos e dias de festa. E mais: quase não se usava garfo. A comida era preparada e servida para ser levada à boca com as mãos ou com a colher.

🍽️  Os primeiros restaurantes de Santa Felicidade surgiram nos anos 1940, mas com menu diferente deste que conhecemos hoje, como explica em seu livro a pesquisadora Maria Fernanda Campelo Maranhão. O cardápio era formado majoritariamente por bife, arroz, feijão e pão, para atender os caminhoneiros e viajantes que passavam pelo bairro com destino ao interior do Paraná, via Estrada do Cerne.

  • Na metade dos anos 1960, com a construção da Rodovia do Café, a vocação dos restaurantes de Santa Felicidade muda. Agora, eles passam a receber curitibanos em busca de lazer. Coincidentemente, é nesse momento que começam a servir o “frango com polenta”.

Se formos comparar a alimentação dos imigrantes vênetos com a que comemos hoje nesses restaurantes, vemos que, no aspecto plástico, essa comida não mudou muito: a polenta hoje é frita em imersão, mas sua consistência permanece a mesma. Frango à passarinho e asinhas são servidos em pedaços que permitem comer com a mão. A salada permanece sendo temperada com vinagre de vinho tinto e gordura de porco. O risoto de miúdos é quase líquido, assim como era no preparo tradicional dos colonos.

💡 Tenho para mim que o menu “frango com polenta” foi a forma que os colonos encontraram de manter sua italianidade ao mesmo tempo em que, inevitavelmente, assimilavam e eram assimilados pela cultura brasileira e curitibana. Ao oferecer uma experiência italiana acessível ao repertório cultural médio, a colônia e sua cultura sobreviveram. Santa Felicidade até hoje dá um gostinho de Itália para quem nunca terá a oportunidade de visitar aquele país, e também para viajados que sabem reconhecer a autenticidade na mestiçagem.


Por coincidência: nesta semana, saiu uma coluna bem legal no Plural falando da tradição do frango com polenta de Santa Felicidade – que, para este autor, está muito mais para um prato brasileiro que italiano.

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